sexta-feira, 20 de maio de 2011

Voltando ao Drummond...



          Quando se diz que Drummond foi o primeiro grande poeta a se afirmar depois das estreias modernistas, não se está querendo dizer que Drummond seja um modernista. De fato herda a liberdade linguística, o verso livre, o metro livre, as temáticas cotidianas. Mas vai além. "A obra de Drummond alcança — como Fernando Pessoa ou Jorge de Lima, Herberto Helder ou Murilo Mendes — um coeficiente de solidão, que o desprende do próprio solo da História, levando o leitor a uma atitude livre de referências, ou de marcas ideológicas, ou prospectivas", afirma Alfredo Bosi (1994).


Sentimento do Mundo (1940)


Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.

Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.

Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.

Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microcopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer

esse amanhecer
mais noite que a noite.


          Sentimento do mundo" é primeiro poema e o que deu nome ao seu 3º livro publicado em vida. Ele nos revela a visão-de-mundo do poeta: não é alegre, antes, é cheia da realidade que sempre nos estarrece, porque, por mais que sonhemos, a realidade geralmente é dura e muito desafiante, lembrando que o contexto histórico é a 2ª Guerra Mundial.

          Em "Confidência do Itabirano", percebemos seu conflito com suas origens, um poema narrativo e até argumentativo o poema o constrói na oralidade cotidiana popular e faz referências a sua infância:

Confidência do Itabirano

Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e
comunicação.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.

De Itabira trouxe prendas que ora te ofereço:
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...

Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!


          O poema começa com a saudade profunda de seu lugar de nascimento, traçado em quatro belas, mas sofredoras estrofes. Confessa (estrofe 3) que aprendeu a sofrer por causa de Itabira; mas, paradoxalmente: "A vontade de amor (...) vem de Itabira"; vale dizer que o amor nasce e é servido no sofrimento. De Itabira vem a explicação de Drummond viver de "cabeça baixa" (estrofe 3, verso 6). Afinal, apesar das negatividades, o poeta sente uma incomensurável saudade de sua cidade natal.

            Outro poema que gosto muito:

CONGRESSO INTERNACIONAL DO MEDO

Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio porque esse não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte, depois morreremos
de medo e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.


             Neste poema, Drummond evidencia claramente o sentimento comungado por todos, simples mortais. É nele que Drummond fala do "amor que se refugiou no mais baixos dos subterrâneos, do medo que esteriliza o braço, no medo da morte e do depois da morte, e principalmente, no medo dos ditadores e no medo dos democratas". O poema escrito há pelo menos 60 anos contrasta com a página amarela e triste da nossa história que insiste em não virar, e se tornar passado de nossas vidas.
         Em “Congresso internacional do medo” Drummond com verdade e ironia coloca o medo como o grande dominador de nossa sociedade: “Provisoriamente não cantaremos o amor, que se refugiou mais abaixo do subterrâneos. Cantaremos o medo que esteriliza os abraços...”

          O difícil é selecionar, quanto um poeta é competente por excelência!!



Ninguém é igual a ninguém. Todo o ser humano é um estranho ímpar.





[Carlos Drummond de Andrade]
E vocês, qual poema mais te agrada desde incrível homem?!
Beijos!

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